quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Macacos não vieram dos seres humanos

Que o estado do jornalismo científico no Brasil é deplorável não é nenhum segredo. Pelo menos não deveria ser. Foi por isso que não fiquei nada surpreso quando me deparei com esse videocast da Veja sobre evolução humana liberado recentemente chamado Eles Vieram de Nós:





(o video pode ser visto aqui também)


A chamada do vídeo lê:

A máxima que nós viemos dos macacos pode estar errada. Um grupo de cientistas da California inverteu essa idéia. 
O que eles querem dizer exatamente com "máxima" me foge completamente. Afinal, não é uma "máxima", mas uma conclusão baseado em evidencias anatômicas, paleontológicas e moleculares! O ponto do filme que remete ao título é colocado logo no início:
"Mas em 2009, um grupo de arqueólogos e antropólogos, liderados pelo americano Tim White, professor da Universidade da California, questionou essa idéia. Na verdade, eles a inverterãoam, dizendo que Chimpazés e Gorilas é que teriam vindo de nós"
O apresentador segue explicando que tal conclusão foi tirada através das analises de um dos esqueletos mais completos de hominídeos já achados, pertencente à espécie Ardipithecus ramidus, apelidado de Ardi. A seguir o filme apresenta uma representação relativamente boa das relações de parentesco entre  gorilas, chimpanzés, bonobos (que não possuem rabo, diferente do que é apresentado no vídeo) e os humanos. O filme explica que Ardi ilustra a morfologia ancestral da linhagem dos hominídeos, apresentando várias características presumidamente derivadas associadas à dentição e o bipedalismo, sugerindo que tal ancestral seria "muito mais homem do que macaco". Porém ser "muito mais homem do que macaco" não iguala Ar. ramidus a um membro da espécie humana, nem sob a luz mais benevolente. Isso é apenas sensacionalismo barato.


Mas de onde veio essa informação? Dos 11 artigos publicados em uma edição especial da Science é que não foi. Uma rapida avaliação desses artigos revela que muitas das características que tornam Ar. ramidus "mais humano" assumem estados mais primitivos dos que os observados em AustralopithecusDizer que Ar. ramidus é mais humano do que símio me parece uma questão de gosto.


Uma possível origem para a matéria está no site UPI.com:
"As pessoas normalmente pensam que nós evoluimos dos símios, mas não, símios de diversas maneiras evoluíram de nós" disse Lovejoy [autor e co-autor de muitos dos artigos publicados na edição especial].
O site oficial da Universidade de Kent, à qual o Dr. Lovejoy está filiado, tem uma versão levemente diferente. Eu acho a colocação um tanto infeliz. Primeiro porque ela apela à uma noção equivocada de evolução humana, representada no famoso diagrama:






Em outras palavras, uma pessoa que não entende o conceito vai simplesmente inverter o diagrama e chegar a, novamente, a uma conclusão errada. Isso é uma péssima estratégia de divulgação científica.


Um segundo ponto é que isso obscurece a real revolução do achado que, ao meu ver, é a conclusão (não totalmente imune de críticas) de que o ancestral comum dos homens e dos chimpanzés apresentava uma morfologia muito mais generalizada. Isso, por sí só, é o suficiente para re-escrever grande parte do que sabemos sobre evolução morfológica e cultural humana. Mas visto que o grande publico não conhece tais assuntos, parece ser necessário gerar uma revolução falsa, mesmo que ela oculte um achado igualmente revolucionário.

5 comentários:

Ia ficar surpreso se a Veja acertasse em alguma produção de divulgação científica. Me pergunto se tem consultoria.


p.s. Na segunda citação é "Na verdade, eles a **inverteram, dizendo que Chimpazés

A Veja e as suas tentativas de perturbar a sociedade... Politicamente sempre foi claro, agora cientificamente é novidade pra mim! Fiquei boquiaberto com a falta de conteúdo, tendo assim que criar polêmicas, no caso científica, para poder ter "atenção"!

Acho que nesse caso podemos apenas culpar a incompetencia que é patente na divulgação científica nacional. Só isso já explica muito.

e como não temos(o povo em geral) o costume de duvidar, de buscar mais conhecimento, o leitor dessa matéria da Veja vai ficar bem intrigado e se possível irá acreditar nisso.

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