Abaixo reproduzo um experimento
desenvolvido pelo filósofo Stephen Law, e publicado como parte de um artigo
mais amplo sobre o ceticismo sobre a existência de Jesus Cristo na revista Faith and Philosophy. Aqui Law
discute um exemplo hipotético ilustrativo para avaliar os critérios normalmente
utilizados por estudiosos do novo testamento para justificar a existência do
Jesus histórico. Um desses estudiosos é Bart Ehrman, que mencionei recentemente.
Destes critérios, Law avalia explicitamente o critério da Múltipla
Atestação (a existência de várias fontes originais para uma dada afirmação), o
critério da Descontinuidade (a dissonância entre o que é afirmado em uma fonte
e a ortodoxia vigente naquela região naquele período) e o critério do Constrangimento
(o fato de que pessoas não falariam sobre algo que teria consequência negativa
para a difusão da mensagem que ela quer passar).
Eu não tenho uma opinião formada sobre o assunto, mas concordo com Law
no sentido que acho os critérios usados para atestar a existência de Jesus um
tanto fracos, ou não tão impressionantes quando avaliados no contexto. Podem
existir outros, obviamente, dos quais não estou familiarizado, ou mesmo que
minha avaliação sobre sua suficiencia seja equivocada (obviamente, não sou historiador).
Também concordo que o principio avançado por ele, o principio da
contaminação, me parece válido. O principio basicamente consiste em afirmar que
é razoável ser cético a respeito de toda uma estória se essa apresenta aspectos
fantásticos e mundanos (os estudiosos do novo testamento que afirmam a
existência do Jesus Histórico rejeitam os aspectos fantásticos da narrativa dos
evangelhos, enquanto aceitam os aspectos mundanos da história). Porém me
pergunto o que acontece se algum historiador não assume que tai aspectos
fantásticos não são... bem, fantásticos?
De qualquer forma, acho o exercício de Law estimulante, e valeria a pena
ver o quão razoável as pessoas acreditam que seja a história do sexto náufrago.
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Suponha que cinco pessoas são resgatadas de uma
grande, porém inabitada ilha na qual eles naufragaram 10 anos antes. O
grupo de náufragos sabia que se eles sobrevivessem eles seriam, eventualmente
resgatados, pois a ilha era uma reserva natural visitada por ecólogos a cada
dez anos.
Na medida que os náufragos recontam suas estórias,
eles incluem os fantásticos casos de um sexto indivíduo que naufragou com eles.
Essa pessoa, eles afirmam, logo se destacou dos outros por realizar milagres -
andar no oceano, curar miraculosamente outro naufrago que havia morrido em
decorrência de uma mordida de cobra, criando grandes quantidades de comida do
nada e etc. O misterioso sexto naufrago tinha pontos de vista éticos
incrivelmente originais e, apesar de não-ortodoxos, eles foram entusiasticamente
recebidos por outros náufragos. Finalmente, alguns anos atrás, o sexto náufrago
morreu, mas retornou a vida três dias depois, e logo em seguida ascendeu aos
céus. Ele inclusive foi visto diversas vezes após esse ocorrido.
Vamos adicional mais alguns detalhes para esse cenário
hipotético. Vamos supor que os cinco náufragos contam principalmente a mesma
história sobre o sexto membro do grupo. Apesar de diferente em estilo, os
relatos são geralmente consistentes. De fato, um retrato vivido e poderoso do sexto
náufrago emerge do testemunho coletivo, contendo tantos detalhes quanto,
digamos, o Evangelho a respeito de Jesus.
Curiosamente, as estórias sobre o sexto náufrago
incluem um número de detalhes que são embaraçosos para o restante dos
náufragos. De fato, todos eles concordam que dois dos sobreviventes de fato
traíram e mataram o sexto náufrago. Adicionalmente, algumas façanhas
supostamente realizadas pelo sexto náufrago estão em clara contradição com o
que os sobreviventes acreditam sobre ele (por exemplo, apesar de acreditarem
que o sexto naufrago era totalmente desprovido de maldade, eles atribuem a ele
ações que aparentam ser deliberadamente cruéis, ações que subsequentemente são
difíceis de serem explicadas pelos sobreviventes). Esses são detalhes que
dificilmente seriam do interesse dos náufragos de serem inventados.
Tamanha é a admiração pelo sexto membro e por suas
visões éticas impares que os sobreviventes tentam de forma insistente em nos
convencer que ambas são verdade, e que é importante que nós também abracemos
seus ensinamentos. De fato, para o grupo resgatado, o sexto naufrago é uma
figura reverenciada, uma figura que eles querem que nós reverenciemos também.
Agora, suponhamos que nos temos, até o momento,
nenhuma boa evidencia independente que existiu um sexto náufrago, muito menos
que ele realizou milagres atribuídos a ele. Qual seria nossa atitude em relação
a essas afirmações?
Claramente, nós seriamos corretamente céticos sobre as
partes miraculosos do testemunho em relação ao sexto náufrago. O testemunho
coletivo deles não é nem de perto evidencia o suficiente de que tais eventos
aconteceram. Mas e sobre a existência do sexto náufrago? É razoável acreditar,
apenas com base nesse testemunho, que um sexto náufrago era pelo menos uma pessoa
real, e não parte de um delírio, uma ficção deliberada ou o que quer que seja?
Note que as evidências apresentadas pelos cinco náufragos
satisfazem os três critérios previamente discutidos.
Primeiro, nós
temos múltiplas testemunhos: não um, mas cinco afirmações individuais sobre a existência
do sexto náufrago (adicionalmente, note que nós estamos lidando com testemunhas
elas mesmas, e não registros de segunda ou terceira mão, então não existe
possibilidade de outros terem alterado a estória original. como seria o caso
dos testemunhos do Novo Testamento).
Segundo, seus relatos contem detalhes que são
claramente altamente embaraçosos (na verdade, são seriamente
incriminantes) para quem relata. Isso levanta a pergunta: porque iriam os náufragos
deliberadamente incluir tais detalhes em uma estória inventada - um história
que, por exemplo, está em clara tensão com o que eles acreditam sobre seu
herói, e que, de fato, os descreve como traidores assassinos?
Terceiramente, porque deveriam eles atribuir à um
sexto náufrago visões éticas não-ortodoxas ou qualquer outro tipo de visão
dissonante com a sabedoria comumente aceita? Se, por exemplo, o sexto náufrago
é uma invenção desenvolvida com o objetivo de estabelece-los como gurus de um
novo culto, porque irão eles atribuir ao seu líder mítico visões que
dificilmente seriam aceitas por outros?
Existe pouca duvida de que poderia ter existido um
sexto náufrago que disse e fez coisas atribuídas a ele. Mas se pergunte: o
testemunho coletivo do grupo resgatado coloca a existência do sexto náufrago
acima de qualquer suspeita? Se não acima de qualquer suspeita, seria sua
existência algo que deveria ser razoavelmente que aceito? Ou seria mais
sábio, nesse ponto, que reservemos julgamento e adotemos uma postura cética?
2 comentários:
Falei algo mais ou menos nessa linha aqui:
http://neveraskedquestions.blogspot.com.br/2010/07/fuzzy-jesus-o-nao-paradoxo-de-sodom-e.html
[]s,
Roberto Takata
Valeu Roberto,
De fato os paralelos são interessantes. Lendo algumas coisas do seu post confesso que pensei em uma forma de colocar esse argumento em termos probabilisticos.
Porém, confesso que no momento quero abordar outras questões.
Abraço!
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