Critica biblica sempre foi uma passagem importante do arsenal retórico dos ateus. Isaac Asimov disse
Duas coisas me vieram a cabeça: inicialmente pensei em como a descrição da cosmologia Bíblica era pobre em comparação com outras cosmologias gregas e até cosmologias ficcionais (na época estava lendo a saga de Dragonlance). A outra foi o quão inverossímil era essa representação: eu sabia que a Terra não era plana, que não existia nenhum firmamento, que a Terra girava entorno do Sol e não o contrário, que depois do céu tinha o espaço, que o centro da terra tinha magma e não o submundo de Sheol, etc. Talvez o mais absurdo fosse a representação das comportas do Céu, as que presumidamente se abriram durante o diluvio. Eu podia ver os parafusos das dobradiças. Que deus usaria parafusos?!
Mas enfim, quase ninguém pensa que o mundo é assim. Até criacionistas são esclarecidos o suficiente para saber que não vivemos em um mundo descrito dessa forma, e inclusive inventam histórias bastante... criativas para explicar o porque disso estar descrito assim na Bíblia (a teoria do dossel é de fato a mais divertida). Religiosos moderados vão obviamente dizer que essas passagens não devem ser tomadas literalmente, mas interpretadas segundo alguma linha que tornam a Bíblia compatível com o que nós sabemos da realidade, inclusive evolução.
Eu não tenho um problema com isso, na verdade. Tratando a Bíblia como um livro qualquer, não existe nenhum motivo para imaginar que as narrativas do Gênesis devam ser tomadas literalmente. São textos fortemente carregados de conteúdo poético e, aparantemente, copiados de diversas fontes distintas para construir uma narrativa com a intenção de passar uma mensagem. Não acredito que o Gênesis tenha sido construído para dizer como o mundo é e como ele foi criado, mas mais para dizer como o que existe e o que todos entendiam como a realidade era obra da intenção divina (com umas e outras mensagens subliminares escondidas). Nada diferente do que cristãos fazem hoje em dia.
Porém me parece que alguns ateus não aceitam isso de forma tão simples. Muitos deles parecem exigir que a única interpretação bíblica válida é a literalista (e, sim, literalismo é uma linha de interpretação), e que essa interpretação é a intenção dos autores(presumidamente o Deus bíblico, no caso). Porém, como uma prima minha me ensinou recentemente, você tira de um livro o que suas limitações permitem que você tire. Não há necessidade alguma de que a intenção do autor guie a sua capacidade de assimilação de uma obra literária ou filosófica. Eu não sou obrigado a virar religioso apenas porque li "Crônicas de Nárnia", apesar de existir um componente fortemente religioso nas ideias de C. S. Lewis (que era, por sinal, um apologeta cristão). E sim, muitas linhas de crítica literária rejeitam a ideia de intenção autoral como sendo relevante.
O significado de muitas obras (não apenas literárias, mas artísticas) emergem da interação da obra com o observador. Obviamente a obra é influenciada fortemente pelas ideologias e ideias do autor, porém isso não restringe a interação com o receptor da obra. Adicionalmente, nem sempre o que o autor pensa sobre o assunto determina a conclusão do leitor. Podemos ver isso claramente em filmes/livros como Contato e A vida de Pi. Nenhuma conclusão sobre teísmo/ateísmo é obvia nem necessária a partir desses textos, porém ambas são possíveis. A intenção dos autores não podem ser de passar uma mensagem ou outra, pois não podemos ser ateus e teístas ao mesmo tempo, mas sim de fazer pensar sobre um assunto, no caso religião.
Eu entendo a resistencia em aceitar interpretações não-literais da Bíblia por parte de muitos ateus, pois já senti ela. Afinal, interpretação literal da Bíblia foi o que me expulsou do cristianismo, e eu adoraria acreditar que eu estava sendo lógico e racional quando isso aconteceu. Mas isso é uma ilusão: eu tinha 12 anos, o quão racional essa escolha pode ter sido? Fora isso, acredito que parte da resistência de se admitir a possibilidade de interpretações não-literais venha da ideia de que isso abre a porta para que qualquer interpretação seja feita. Mas isso também não é verdade: a interpretação de que o Gênesis dá a sequência do surgimento evolutivo das espécies na Terra é claramente equivocada, assim a de que Adão e Eva foram os primeiros Homo sapiens. Ou seja, é possível estabelecer que algumas interpretações são falsas e outras não.
Até onde vejo, exigir que religiosos moderados aceitem o literalismo como "única posição intelectualmente honesta", apenas para criticar essa posição é tentar encaixar uma pessoa em um estereótipo que seja fácil de ser atacado. Não é apenas uma falácia, como é preconceito. Então... vamos parar com isso, que tal?
Sério.
"Quando lida apropriadamente, a Biblia é a força mais potente para ateísmo jamais concebida"Eu não conheço nenhuma estatística, mas acredito que isso seja verdade para um grande numero de pessoas. Ao menos, foi o que funcionou para mim. Me recordo claramente de ler com entusiasmo as primeras passagens do Gênesis, apenas para me deparar com uma representação gráfica de como o mundo deveria ser:
Representação do Universo segundo o Genesis |
Mas enfim, quase ninguém pensa que o mundo é assim. Até criacionistas são esclarecidos o suficiente para saber que não vivemos em um mundo descrito dessa forma, e inclusive inventam histórias bastante... criativas para explicar o porque disso estar descrito assim na Bíblia (a teoria do dossel é de fato a mais divertida). Religiosos moderados vão obviamente dizer que essas passagens não devem ser tomadas literalmente, mas interpretadas segundo alguma linha que tornam a Bíblia compatível com o que nós sabemos da realidade, inclusive evolução.
Crônicas de Nárnia: Cosmologia fortemente influenciada por mensagens cristãs. |
Porém me parece que alguns ateus não aceitam isso de forma tão simples. Muitos deles parecem exigir que a única interpretação bíblica válida é a literalista (e, sim, literalismo é uma linha de interpretação), e que essa interpretação é a intenção dos autores
Vida de Pi e Contato: livros falam de religião, mas não demandam que o leitor chegue a uma unica conclusão |
O significado de muitas obras (não apenas literárias, mas artísticas) emergem da interação da obra com o observador. Obviamente a obra é influenciada fortemente pelas ideologias e ideias do autor, porém isso não restringe a interação com o receptor da obra. Adicionalmente, nem sempre o que o autor pensa sobre o assunto determina a conclusão do leitor. Podemos ver isso claramente em filmes/livros como Contato e A vida de Pi. Nenhuma conclusão sobre teísmo/ateísmo é obvia nem necessária a partir desses textos, porém ambas são possíveis. A intenção dos autores não podem ser de passar uma mensagem ou outra, pois não podemos ser ateus e teístas ao mesmo tempo, mas sim de fazer pensar sobre um assunto, no caso religião.
Eu entendo a resistencia em aceitar interpretações não-literais da Bíblia por parte de muitos ateus, pois já senti ela. Afinal, interpretação literal da Bíblia foi o que me expulsou do cristianismo, e eu adoraria acreditar que eu estava sendo lógico e racional quando isso aconteceu. Mas isso é uma ilusão: eu tinha 12 anos, o quão racional essa escolha pode ter sido? Fora isso, acredito que parte da resistência de se admitir a possibilidade de interpretações não-literais venha da ideia de que isso abre a porta para que qualquer interpretação seja feita. Mas isso também não é verdade: a interpretação de que o Gênesis dá a sequência do surgimento evolutivo das espécies na Terra é claramente equivocada, assim a de que Adão e Eva foram os primeiros Homo sapiens. Ou seja, é possível estabelecer que algumas interpretações são falsas e outras não.
Até onde vejo, exigir que religiosos moderados aceitem o literalismo como "única posição intelectualmente honesta", apenas para criticar essa posição é tentar encaixar uma pessoa em um estereótipo que seja fácil de ser atacado. Não é apenas uma falácia, como é preconceito. Então... vamos parar com isso, que tal?
Sério.